segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Feliz Dia das Crianças! Pra quem?


Outubro chega e parece que o país inteiro volta suas atenções para as crianças. Mas...só parece. Tudo o que se vê e se fala é relacionado ao dia 12 de outubro. Na tv o apelo consumista em forma de propagandas de brinquedos toma conta. As escolas e algumas outras organizações preparam diversas atividades e enchem suas programações de brincadeiras. Os pais lançam mão do discurso do dia das crianças para fazer pequenas chantagens aos filhos: "Vem aí o dia das crianças, se não se comportar bem, já sabe...não ganha presente!" (Quem nunca? rsrs). Enfim, todos pensamos e falamos sobre o tão esperado DIA DAS CRIANÇAS, mas...será mesmo que nós, o país, o mundo, estamos preocupados com o que realmente importa? Ou seja, garantir os direitos dessas crianças? Será que todas as crianças são iguais? Todas vivenciam suas infâncias da mesma maneira? Por que estou levantando essas questões? Vou contextualizar para vocês...

crianças vietnã
O pintor e ilustrador Gunduz Aghayev, do Azerbaijão, em sua série de fotos intitulada "Imagine", criou imagens satíricas sobre a fisionomia de policiais e crianças nas mais variadas situações de vulnerabilidade mundo afora. Nessa ilustração, bebês em meio ao fogo cruzado na guerra do Vietnã. A fotografia original juntamente com outras criações do artista, você encontra aqui.

criança brincando
Nessa foto, eu e João brincando no parque. Todas as crianças vivenciam a mesma infância?
Tudo começou num dia normal em que fui fazer um passeio com o João. Era sábado. Resolvi levar João no CCBB onde estava acontecendo a exposição de Mondrian. Visitamos várias salas, até então tudo muito interessante e bacana. Nossa última parada foi na sala do Educativo onde havia algumas atividades mais voltadas ao universo infantil, mas com relação à obra do artista. João escolheu então a atividade de Lego, algo que ele ama! Na sala estávamos eu, João, as monitoras, mais uma criança pequena com sua mãe e um menino de aparentemente 10 ou 11 anos. Enquanto João brincava de montar carrinhos com aquelas peças, eu observava aquele menino maiorzinho. Mas, onde está a sua mãe ou um responsável por ele? - pensava. Aquele menino, apesar de já ser maior, brincava com a mesma intensidade e empolgação que meu filho de 4 anos. Montava carrinhos, trenzinhos, ônibus. Confeccionou também uma rua com aquelas peças e ficava locomovendo seus meios de transporte fictícios fazendo o "barulhinho" de cada um. Até começou a interagir com João chamando-o para a brincadeira. Achei aquilo interessante. Geralmente meninos dessa idade não têm muita paciência para brincar com crianças mais novas. Mas ele brincava de igual para igual. Observei que as monitoras já o conheciam. Chamavam-no pelo nome e conversavam com certa intimidade, como que com um visitante rotineiro. Fiquei curiosa e não aguentei. Perguntei para o menino se ele estava sozinho e quem o havia levado até o museu. Ele me respondeu: "Eu sei vir aqui sozinho, tia. Eu vendo bala no sinal. E depois venho aqui brincar um pouquinho". Aquela resposta virou um nó na minha garganta. Calei-me. Não tinha o que falar. Mas os pensamentos corriam a mil em minha cabeça. Será que eu deveria oferecer um biscoito? Perguntar se ele estava com fome? Oferecer um dinheiro? Denunciar para alguma autoridade competente? Levá-lo para casa? (sério que até isso eu pensei!). Enfim, uma tempestade de indagações tomou conta de mim naquele momento, mas, na verdade, não tive reação alguma. Fiquei só ali observando aquele menino brincar como criança. Criança que ele era.


criança brincando
João e o menino ao fundo 
A minha inércia naquela situação me fez refletir sobre a inércia também do nosso país diante dos direitos das crianças. Fechamos os olhos, nos trancamos em nossos mundinhos, damos presentes aos nossos filhos (não que isso seja errado), e não refletimos sobre a real situação das nossas crianças. Digo "nossas" porque desde que me tornei mãe me sinto responsável por todas as crianças que vejo. Acho que todas nós somos assim, né? A inércia também está a nível mundial. Pensemos nas crianças sírias nessas épocas de guerra civil em que se encontra o país delas. Parece uma realidade muito distante, mas essa situação do museu me fez refletir até sobre a vulnerabilidade em que se encontram essas crianças do outro lado do mundo. Será que as histórias de Aylan e Omran serão lembradas daqui uns anos? Será que elas nos fizeram refletir e e nos ajudaram a sermos pessoas mais empáticas com as crianças? Espero que sim. Espero que não tenha sido em vão.

Para quem não se lembra, Aylan foi aquele menininho sírio que morreu afogado numa praia da Turquia após seus pais fugirem da crise econômica, política e social da Síria. Não sou de chorar facilmente, mas confesso que a imagem daquela criança de 3 anos (idade do meu filho na época) de bermuda jeans, blusa vermelha e tênis, virado de bruços na beira da praia, me fez chorar. Chorei copiosamente como se conhecesse aquele garoto. E chorei outra vez este ano quando o menino, também sírio, Omran de apenas 5 anos sobreviveu a um ataque aéreo em Aleppo. O olhar resistente, mas sem esperança daquele menino penetrou até a minha alma. Aquele olhar que atravessava os cabelinhos empoeirados no rosto só serviram para mostrar o fracasso da humanidade (#kiyiyavuraninsanlik - a humanidade é um fracasso em turco, hashtag que tem inundado as redes sociais). Até quando? Não entendo isso. Como algumas crianças, como nossos filhos, estão tão bem cuidadas e protegidas em seus lares com suas famílias enquanto outras estão em total situação de vulnerabilidade? Isso não devia ser assim...

Enfim, lancei questionamentos e indagações e vocês devem estar se perguntado: Mas o que podemos fazer? O que temos a ver com isso? Sei que, diretamente, não podemos fazer praticamente nada pelas crianças que citei. Mas, penso que a história delas não pode ser em vão. Vamos mudar nosso olhar para com as crianças que encontramos e que convivemos. Se desenvolvermos um olhar de empatia, compaixão e respeito já é meio caminho andado! O que eu posso fazer? Posso colocá-las em minhas orações, posso me abaixar e lançar um olhar gentil para cada aluno meu que estiver triste, posso ensinar João a doar alguns de seus brinquedos no Dia das Crianças, posso tentar ter mais paciência com ele e ensiná-lo a ser respeitoso contribuindo para a formação de um ser humano melhor para ficar nesse mundo. Isso é o que está ao meu alcance fazer. E você, o que pode fazer?

Termino meu "texto-desabafo" com imagens dessas crianças do jeito que eu gostaria de vê-las sempre, brincando! Que possamos nos sensibilizar e lutar pelo maior direito de todas elas ou seja, o de serem apenas crianças!

criança brincando
Vamos brincar?

aylan criança síria
Ilustração de Aghayev sobre o menino sírio Aylan brincando na areia. Era isso que ele deveria estar fazendo na praia...

crianças vietnã
Ilustração de Aghayev. Crianças na Guerra do Vietnã. Diferentemente da imagem original, aqui as crianças correm porque brincam e não porque estão fugindo do horror da guerra.
criança brincando
João no balanço, seu brinquedo favorito.

criança brincando
O menino do museu, todo orgulhoso, posando para minha foto com o "ônibus" que construiu.


E o menino era uma criança. E a criança só queria brincar.




Talyta Andrade
@joao_passeia 












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