23 de fevereiro de 1985 foi um dia muito importante para mim, mesmo sem eu sequer ter nascido.
Neste dia, meus
pais se casaram e nossa família começou.
Neste mesmo
dia, nasceu o Thiago: meu marido, meu amigo, companheiro, pai da minha filha.
Como muitas
famílias, meus pais apenas começaram. Minha mãe com 20 anos e meu pai com 28. A casa não estava 100%
pronta e nem 100% mobiliada, mas existia muito amor.
Pouco tempo
depois, minha mãe começou a passar a mal: infecção urinária. Encheram-na de
remédios e ela não melhorava. Então, descobriram a origem do problema:
gravidez. Este foi o meu primeiro quase aborto.
As pessoas
começaram a falar que minha mãe tinha casado grávida, o que – naquela época –
era inaceitável. Minha mãe ainda era nova, não tinha emprego, as pessoas a
acusavam de algo que ela não tinha feito. Ela ficou muito triste e não queria
que aquele bebê estivesse ali.
As pessoas
podem até achar que os bebês não sabem o que está acontecendo fora do útero,
mas sentem sim e esse foi meu quase segundo aborto. Com isso, minha mãe
resolveu que lutaria por mim, independente do que falassem dela. Ela e meu pai
sabiam o que era verdade e isso que importava.
Um belo dia,
minha mãe teve que fugir de dois cachorrões com correram atrás dela, saindo do
repouso recomendado pelo médico. Ela não ficou muito bem, mas não quis ir ao
médico. Meu pai, preocupado, pediu que minha tia (madrinha) “Cezinha” fosse até
minha casa enquanto ele trabalhava. Minha tia chegou, chamou outra tia (“Thê”) e
levaram minha mãe para o hospital. A bolsa estava furada e estava vazando
líquido. Nasci. Prematura, para ajudar.
As pessoas
iam nos visitar e faziam contas, usando os dedos mesmo, na frente da minha mãe,
que ficava injuriada: nasci em dezembro (12) – eles casaram em fevereiro (2) =
10 meses. Eu deveria ter esperado e nascido em janeiro, não é?! Pelo menos eles
teriam casado em 1985 e eu nascido em 1986, para os “insultos” diminuírem. No
fim, ficou tudo bem.
Avó paterna e avôs maternos (adotivos) |
Dois anos
depois minha irmã nasceu. Dois anos depois meu irmão nasceu. Outros dramas
foram vividos, como em toda e qualquer família.
Irmãos e pai |
Meu pai
sempre foi muito próximo da gente, sempre fez questão de participar de tudo em
nossas vidas e eu sempre amei isso nele. Ele jogava bola na rua, rolava no
chão, nos ensinou a jogar baralho e dominó, pulava amarelinha... E faz tudo
isso agora com as netas e os sobrinhos-netos. Eu ACHO, acho porque ele nunca
falou sobre isso, que ele sempre foi assim porque quis dar para a gente o que
ele não teve. Acho que ele precisava suprir a falta de pai sendo um bom pai.
Não sei... Se foi isso, ele conseguiu. Se não foi, ele conseguiu também.
O pai dele
faleceu quando ele tinha 10 anos. Ele é o 5º, de 10 irmãos. Minha avó teve que
batalhar muito para criar todos eles e eles também tiveram que batalhar muito
para conseguir ser alguém na vida. Eles vendiam amendoim no ônibus, bala na
escola... Estudar não era fácil, era colégio de manhã e curso técnico no SENAI
à noite. Á tarde tinham que trabalhar pra ganhar dinheiro para pagar passagem
de ônibus e ajudar em casa. Eles não tiveram infância, não como nós queremos
dar aos nossos filhos.
Família paterna |
Num momento infeliz, no meio de uma discussão boba (coisa de
adolescente), falei “Você não sabe ser mãe”. A resposta dói em mim até hoje e
penso nisso com muita freqüência: “Eu nunca tive mãe. Eu não tive com quem
aprender”. Pronto. A discussão acabou e comecei a ver minha mãe com outros
olhos.
A história dela é complicadíssima e daria um livro, mas vou tentar resumir
o máximo o que conseguir:
O pai dela tinha várias mulheres e todo mundo sabia disso. A vida era
complicadíssima. Foram 10 filhos. Uma irmã morreu queimada antes dela nascer.
Um dos irmãos fugiu pro RJ por não aguentar mais ver o que o pai fazia com a
mãe. Uma das irmãs casou sem conhecer o cara antes de entrar na igreja
(obrigada pelo pai). Minha mãe quase namorou um irmão, sem saberem que era
irmãos (descobriram antes do namoro começar). Eu conheci um tio antes da
minha mãe (em uma festa do interior, chegou um homem me abraçando e chorando.
Então vi minha tia – a que se casou cedo – e ela contou que ele era irmão da minha
mãe. Ele disse que não sabia que minha estava viva e muito menos que tinha uma
filha grande – eu tinha 14 anos na época. O levei pra minha casa e foi só
choradeira). E por aí vai.
Quando minha mãe nasceu, só tinha ela e mais uma menina (Graça) em
casa. Minha tia andou de casa em casa e foi para um orfanato, depois foi morar
com a tia “Cida” (filha de quem criou minha mãe).
O pai se casou quase que imediatamente. Minha mãe ficou sozinha com o
pai e a madrasta, que judiava muito dela.
“Sozinha”, mal cuidada, anêmica... A irmã que casou obrigada não aguentava
mais ver isso e a tirou da casa do pai, mas não podia cuidar dela (muitos
filhos, renda baixa...). Aí ela foi mudando de casa em casa, até que meu “avô”
a pegou para criar. Quando ele chegou com minha mãe, minha “avó” ficou muito
brava, não a queria em casa, pois eles já tinham 16 filhos! Um filho dela (tio Nonô)
queria adotá-la, mas minha “avó” não deixou, pois não sabia com quem ele
casaria e se a pessoa aceitaria ele já “ter” uma filha (se soubessem que ele se
casaria com a fofa da tia Vera...).
Depois do meu avô tanto insistir, minha avó a aceitou em casa.
Minha mãe era conhecida como “chorona” e reclamava muito de dor no
braço. Meu avô a levou ao médico e
descobriram que o braço dela estava quebrado há não se sabia quanto tempo (a madrasta a jogou escada abaixo),
correndo o risco de ter que amputar. Minha mãe só tinha 2 anos!
Depois de uns anos, minha avó ficou muito doente e todos acharam que
ela morreria. Ela mesma vivia falando com minha mãe “Não vou ver você crescer.”,
“Não vou ver você se formar...” Então, minha mãe foi morar as filhas dela: tia
“Ção” (que tinha uma filha chamada Cynthia, daí veio meu nome) e depois tia “Ana”. Quando a minha avó melhorou, minha mãe voltou para a
casa dela. Minha avó continuava achando que não a veria se casar, que não a
veria ter filhos... O que não aconteceu! Minha mãe morou com minha avó até se
casar e minha avó só faleceu quando eu tinha 22 anos!
Meu avô e minha mãe eram muito apegados. Minha mãe conta que ele se
apegou muito a mim também e que ia praticamente todos os dias à nossa casa me
ver. Infelizmente ele faleceu quando eu tinha uns 2 anos e eu não me lembro
dele (dia 21/02 completaram 28 anos que ele faleceu). Adoraria ter tido oportunidade de conviver com a pessoa que salvou minha
mãe!!!
Família materna (adotiva) |
Minha avó era uma pessoa tão sensacional que não tinha como conhecer e não amá-la. O nome da minha avó? Anna. O nome da minha filha? Anna. E espero que minha filha tenha muito mais coisas em comum com ela do que apenas o nome...
Sou eternamente grata pelo que essa pessoa linda por dentro e por fora fez pela minha mãe.
Ela era tão boa, forte, atenciosa, fofa... que a homenagearam escrevendo um livro sobre a vida dela. E, não sei porque, a Anninha vive pegando o livro pra folear!
Enfim, a “Eu não sei ser mãe” e o “Eu não tive pai”, cada um do seu
jeito, cada um com seus costumes, cada um com suas experiências de vida,
conseguiram criar os filhos de uma maneira única, só deles, e sou muito
agradecida por tudo que aprendi com eles. Tirei lições muito importantes e
tenho em mente o que vou repetir com meus filhos; o que senti falta e vou
inserir na educação deles e o que não gostei e posso melhorar.
A vida inteira eu só os vi discutir uma única vez e eu era muito
pequena. Minha mãe não acredita até hoje que eu me lembro disso, mesmo eu
contando detalhes. Isso simplesmente ficou marcado. Então, fica a dica: atenção
e muito cuidado no que é discutido e feito na frente das crianças.
Pai, mãe e eu |
No dia que minha família começou, a pessoa que me faria começar uma
nova família veio ao mundo. Mera coincidência? Não sei. Só sei que agora somos
Thiago e eu, com culturas diferentes, com costumes diferentes, com crenças
diferentes, com experiências familiares diferentes, com condição financeira
familiar diferente, com perfis totalmente diferentes... tentando criar nossa
filha e ter uma família bem sucedida como nossos pais fizeram (ambos têm mais
de 30 anos de casamento).
Se vamos conseguir? Não sei. Só sei que com o tempo estamos aprendendo
a lidar com nossas diferenças, aprendendo a ser pais, aprendendo que um vai
dizer sim, o outro não e um dos dois terá que ceder...
Escrevi isso tudo para que as pessoas entendam porque vocês são tão
importantes em minha vida, porque o dia 23/02 é um dia tão especial para mim e
porque eu os amo tanto!
Faltou a dorminhoca da Anninha! |
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