quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Deixa Ele Assediar?


Há umas semanas, fui ao aniversário de uma amiga num bar da região Noroeste de BH. A casa estava cheia, música alta, ambiente escuro, dançava tranquilamente até que um homem aproximou:

- Não é não? Ele perguntou.
- NÃO É NÃO!!! Respondi.
- Mas você não vai me dizer não.
- Claro que vou! Não sou obrigada!

Simulou uma partida. Voltei a dançar. Ele não foi embora. Segurou forte meu pescoço e tentou beijar a minha boca. Esforcei para que não conseguisse e gritei para me soltar. Ele desapareceu na multidão. 

Senti todo o ódio e vulnerabilidade da qual somos vítimas. Nem sequer havia olhado para seu rosto ou reparado qualquer detalhe naqueles segundos para começar uma caça ao assediador. Foi como um fantasma para mim, daqueles que despertam nossos mais profundos medos. Aqueles que toda mulher sabe quais são!

Existe sempre uma dor, a nossa própria dor, a dor por nossas irmãs, a dor de saber que somos muitas e que os desfechos podem continuar a piorar enquanto eles se armam, porque nós estamos na linha do fogo nas residências e nas ruas, por sermos mulheres, por apenas dizermos NÃO ou por nem termos a chance do NÃO. Nosso corpo não é a sua propriedade!

Deixa ele assediar? Não! Nós vamos gritar! Vamos continuar gritando! Por nós, pelas que vieram antes de nós e pelas que vêm em seguida. 

Vamos denunciar! Seguiremos de mãos dadas, unidas! 



Estou unida com minha prima Leide Botelho, jornalista, para denunciar mais um caso de assédio em BH: o da Karina Rezende. 

Por Leide Botelho:

Esta semana li um depoimento de um fato ocorrido nas arquibancadas do Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, em Belo Horizonte. E, aina que em nada tenha a ver com o fato, voltei aos momentos vividos no velho Mineirão antes das reformas.

Quando fecho meus olhos, ainda consigo sentir toda a energia que emanava naquele lugar quando as arquibancadas movidas pelo canto da torcida balançavam. Ao contrário do que possa parecer, aquilo me enchia de coragem e não de medo. 

Para o Mineirão ser hoje o que ele é, ele passou por duas reformas. A última deu a ele status de Arena Multiuso. A arquibancada da minha lembrança já não existe mais. Graças ao processo de modernização dos estádios de futebol, o tal Padrão FIFA, temos cadeiras numeradas (aquelas que cantávamos que não iríamos nelas), temos conforto. As árvores muitas, inúmeras, deram lugar a uma esplanada que, apesar de ter perdido as árvores, abriga famílias, jovens e pessoas de todas as idades para diversas atividades.

Não deixa de estar bonito, mas é que às vezes parece faltar alma e a sensação de faltar alma me faz sentir que afasta o olhar humano no trato de diversas questões.

Voltando ao depoimento, li o relato de Karina (clique AQUI para ler), historiadora, 21 anos, uma mulher assim como eu, que tornou pública uma denúncia de assédio da qual foi vítima em uma festa de fim de ano em dezembro último, para funcionários dentro do estádio.

Um mês após registrar Boletim de Ocorrência, ela não tinha qualquer retorno objetivo sobre medidas tomadas quanto ao assediador.

A nota da administradora do estádio pontuando o fato de que Karina fora convidada para a festa mesmo não sendo mais colaborada da empresa, me fez pensar o que isso teria a ver com a gravidade de um caso de assédio ocorrido em um evento dentro das instalações do estádio.

Fui me lembrando dos inúmeros casos de violência contra a mulher nesses primeiros dias de 2019. Das mulheres que não denunciam ou demoram a ter coragem para denunciar. Das que denunciam e que tem medida protetiva e que a protetiva em nada protege. Das muitas vidas que foram embora pela dificuldade imensa que há em muitos homens de ouvir um não. Do quanto estamos vulneráveis e a mercê da sorte. Senti vontade de chorar. 

Os dados sobre a violência e assédio no país aumentam. São 13 mulheres mortas violentamente por dia no Brasil, segundo o Atlas da Violência. A média de lesão corporal aumentou para 606 casos por dia em 2017 segundo o 12ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 

Uma parcela de 42% de mulheres com 16 anos ou mais declara já ter sido vítima de assédio sexual segundo Pesquisa Datafolha de dezembro de 2017. Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), mais de 50% das trabalhadoras em todo mundo também já foram vítimas de algum tipo de assédio, um número que inclui também aquelas piadas maliciosas com aparência inofensiva. 

Um número que pode ser muito maior porque as mulheres temem represália. Há outros motivos ainda para que as mulheres não denunciem os abusos e assédios sofridos, como a dificuldade em identificarem o assédio como sendo assédio, o receio de estar "entendendo errado" e ser uma "brincadeira" e o medo do assediador. 

O que percebemos em muitos casos que vêm a público é que as mulheres são postas em dúvida quando denunciam, são apontadas como culpadas pelo assédio ou violência sofrida. Em casos de violência e/ou assédio em ambientes institucionais, muitas empresas para evitarem escândalos tentam abafar os casos. 

A forma como muitas empresas tratam os casos de violência e assédio podem levar as mulheres à revitimização com perguntas ou atitudes que suscitem a culpa nelas. A cultura machista insiste que o problema está no comportamento feminino. E nós endossamos essa cultura quando preferimos colocar em dúvida a palavra da mulher. Quando como mulheres nos falta sororidade. Quando deixamos de lado valores e colocamos, acima de tudo, status e posições.

Ninguém pode saber como é a solidão de uma mulher que sofre assédio ou violência se não denuncia ou se denuncia e é posta em dúvida.

Por coincidência ou não, domingo é dia de clássico, Cruzeiro e Atlético, tendo como palco o Mineirão, lugar de tantas memórias. Seria maravilhoso que a vitória diária fosse a questão ser realmente tratada com cuidado pela administradora do estádio. Como jornalista e mulher que crê no futebol de inclusão para todxs, a vitória é ver Karina recebendo a atenção e respeito que merece pela seriedade da questão. Quanta paz seria ver pulsar alma no atual estádio, moderno demais para parecer ser do povo.


Leide Botelho / Jornalista
Twitter: @leidebotelho

Deixa ele assediar? Não! Não nos calaremos! Resistiremos! Somos Fernandas, Leides, Karinas, Marias... Somos muitas! E seremos nós por nós!

Deixa ela trabalhar! Deixa ela dançar! Deixa ela viver! Deixa!



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3 comentários:

  1. Linda crônica, Leide. Disse muito que meu coração gostaria de dizer. Não nos calaremos. Vamos juntas!

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